A história de uma capa - Juci Ribeiro

A história de uma capa

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Aprendi com alguns mestres revisteiros que capa boa não precisa de legenda. Se necessitar de explicação, significa que é ruim. Capa boa tem que ser bonita, clara e direta. Capa que vende tem que ser pá-pum. Tipo visão arrebatadora. Tipo bofetada. Tipo soco no estômago. Tipo beliscão debaixo da mesa. Tipo olhar de mãe brava.
Durante os anos em que trabalhei fazendo revistas, acho que fiz e aprovei várias capas boas, eficientes e lindas. Nem sempre com os três atributos reunidos no mesmo exemplar. A que mais vendeu era de uma revista popular que ainda existe e pela qual tenho imenso carinho. Bateu mais de 600 mil exemplares. Tinha um título emocional e xenofóbico. A manchete “Xingaram a nossa rainha” conclamava a guerra contra o Chile. Xuxa havia sido vaiada no festival de Viña del Mar e nossas leitoras eram loucas por ela. Identificação total.
A imagem de seiscentas mil mulheres indo às bancas comprar a revista até hoje aquece o meu coração. Ela custava R$ 1, que era bastante dinheiro para a leitora naquela época.
Publiquei acima a capa do meu livro. Acho a capa boa. Acho a capa bonita. O título é direto e objetivo. O subtítulo é apelativo e autoexplicativo na medida certa. Por que, então, quero contar a história da capa? Porque a imagem de fundo da porta aberta para o mar com o gavião voando contém duas memórias que me são muito queridas. Não estão no livro e por isso compartilho na forma de teaser.
Os artistas que fizeram a capa chegaram à imagem da porta aberta para o mar e do pássaro voando por causa de um texto titulado como “ABRIU A PORTA E AGORA VOA PARA ONDE?”. Nele eu conversava por messenger com meu amigo João sobre a dificuldade de viver sem crachá. Ele, expert no assunto, resumiu tudo em uma frase: Sonhe > defina > trace o plano > voe. Fiquei muda quando li a mensagem. Era simples daquele jeito e eu não tinha conseguido realizar algo tão óbvio. Terminei o texto contando aquela conversa e a frase serviu de inspiração para vários capítulos do livro.
Quando Kaíke, meu editor máster, mostrou a proposta de capa, ela era quase isso que vocês viram acima. No entanto, o passarinho era uma singela gaivota. Fiquei fula. Protestei. “Desde quando eu voo como gaivota? Meu voo é de gavião, de gavião carcará. Aquele da música: “carcará, pega, mata e come”. Kaíke me olhou espantado. Não entendeu a minha reação fora da curva. Ele não tinha lido o epílogo, nem visitado a minha Capela.
Todos os dias, faça chuva ou sol, um casal de gaviões carcará passeia sobre a minha pousada. Às vezes, passam bem no alto. Outras, dão rasante. Às vezes, cruzamos o nosso olhar. Houve um momento, muito emblemático, quando estava escrevendo na varanda da casa principal e o carcará passou. Bem baixinho. Planando para mim. O céu estava azul. O sol caindo. O mar que eu tanto amo verde, lindo.
A canção que tocava era justo Aqui e agora, do Gilberto Gil. Juntou tudo e a minha ficha caiu. Entendi quase tudo. Chorei, feliz. Estava, de novo, no caminho do bem. Por isso, para mim, essa resenha deixa a capa do livro ainda mais bonita. Contém história e emoção. E a vida é feita disso.

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