por Juci Ribeiro
Com espetáculo agendado para este final de semana em Salvador, Gustavo Mendes desabafa: “As pessoas descontam o ódio em mim”, diz humorista que faz paródia de Dilma
O humorista Gustavo Mendes, ganhou notoriedade ao fazer paródias da presidente Dilma Rousseff, inicialmente na internet e depois também na TV. No entanto, o clima de tensão nas redes sociais, levou Gustavo Mendes a desistir de encarnar a personagem na TV e na internet. Portanto, as aparições da personagem Dilma ficarão limitadas a suas apresentações teatrais. A propósito, Gustavo Mendes se apresenta em Salvador, no Teatro SESC Casa do Comércio, nos dias 21 e 22 de maio, sábado e domingo, respectivamente, às 21h (sábado) e 20h (domingo).
Confira a entrevista concedida à Revista Época, em que desabafa sobre as acusações hostis que tem sofrido na internet.
ÉPOCA – Caso se confirme o afastamento de Dilma Rousseff, você vai continuar a fazer a paródia da presidente?
Gustavo Mendes – Minha personagem tem uma vida própria e independente da vida política da presidente. Só parei de fazê-la na internet porque sofri censura pública, comecei a apanhar muito neste momento de polarização que vivemos. As pessoas estão raivosas com qualquer coisa que se fale de política. Quem era contra Dilma achava que eu era a favor dela, e quem era favor achava que eu era contra o governo. Eu ficava no meio de um tiroteio apanhando dos dois lados.
ÉPOCA – Houve algum momento específico que despertou em você esse sentimento?
Gustavo Mendes – O último vídeo que fiz de pegada política foi sobre a carta que o vice-presidente Michel Temer escreveu para ela. E senti nas redes sociais uma coisa estranha. Há humoristas que fazem uma Dilma com engajamento político, que dão sua opinião de oposição ou situação disfarçada de humor. Eu sempre me preocupei com as piadas. Quando houve a radicalização, percebi nas pessoas um ódio muito grande, e que elas acabavam descontando em mim. As pessoas queriam me cobrar um posicionamento político, que eu tomasse partido. Daí, aproveitei para pegar meu banquinho e sair fora.
ÉPOCA – No teatro você segue fazendo a paródia da presidente da República?
Gustavo Mendes – Sim. No teatro há mais liberdade, é mais quente, tenho que ficar antenado. No dia da votação do impeachment na Câmara (17 de abril), eu estava no palco estreando meu novo espetáculo em Belo Horizonte. Neste próximo fim de semana me apresentarei em Brasília. Até lá o pessoal deve estar mais tranquilo. Digo ao público no começo da apresentação que não vou fazer a Dilma, mas no meio do espetáculo cai o casaco vermelho e a plateia delira. Se eu não fizer isso, apanho. Esse novo show trata da busca da felicidade, e recorro a algumas pessoas para explicar o que é a felicidade. Dilma fala sobre o assunto, à maneira dela, sempre com muita clareza e eloquência. Estou de barba por causa do programa de TV que estou gravando, mas a plateia esquece esse detalhe. Basta vestir o casaco vermelho e colocar o dente pra fora que o espírito da personagem floresce. Sou parecido com ela, deve ser por isso que estou solteiro.
ÉPOCA – De onde veio a ideia de fazer a paródia da presidente?
Gustavo Mendes – Surgiu antes até da primeira eleição dela. Na época em que Dilma era chefe da Casa Civil, tive a ideia de criar pronunciamentos de vários personagens. Ela não aparecia muito, mas já se cogitava que seria escolhida candidata à presidência. A falta de traquejo político dela ajudou a me inspirar. Você vê o Lula falando e dá até medo de que ele te convença. Aécio também é bom falando, pois ambos são políticos que nasceram com esse dom que ela tenta, mas não tem. Dilma quer ser popular, mas se enrola toda e fica engraçado. Outra coisa que me ajudou foi que o mote da primeira campanha, quando Dilma era tida como a “mãe do povo.” Ela não tem a cara da mãe fofa que a gente imagina. Fiquei com isso na cabeça. E acabamos descobrindo que ela era meio brava, durona. Fui por esse caminho.
ÉPOCA – Qual foi o ponto de inflexão que marcou o sucesso de sua criação?
Gustavo Mendes – De início, botava vídeos no Youtube. O primeiro deles que viralizou foi um recado da presidente para o Bolsonaro (deputado federal), ainda no início do primeiro mandato. Foi uma resposta a declarações homofóbicas que ele deu na TV. Eu mesmo me maquiava e fazia tudo, com um terninho vermelho e camisa branca que comprei. Na primeira gestão de Dilma, a toda hora caía um ministro, tinha muito pano pra manga para fazer piada. O (Antônio) Tabet me viu e me chamou para postar os vídeos no Kibe Loco (portal de humor). Depois, fiz duas temporadas da personagem no “Casseta & Planeta, vai fundo”, a convite delas. Foi bem bacana a experiência. A internet é mais legal, mas a militância está entrando na internet de forma muito agressiva. Isso dos dois lados. Você vai falar de Bolsonaro hoje e ouve atrocidades. Naquele primeiro vídeo que fiz não teve isso. Aliás, não via problemas até pouco tempo atrás.
ÉPOCA – Como você vê a relação do humor com a política?
Gustavo Mendes – O humor é uma ferramenta valiosíssima para manipular e influenciar opinião. Tanto que os partidos políticos investiram pesado nisso. Mas o humor tem que ser genuíno, natural, em cima do acontecimento, e a internet te propicia essa rapidez. O problema é que está todo mundo muito armado. Depois da votação da abertura do impeachment na Câmara, o clima deu uma mudada. As pessoas viram seus deputados votando e ficaram com muita vergonha de seus representantes. Não estou falando do resultado da votação. Mas as pessoas viram o mundo real, viram o deputado sem assessoria de imprensa nem photoshop. Quem consegue ser mais engraçado que a deputada que homenageia o marido por sua honestidade numa prefeitura e ele é preso em seguida pela Polícia Federal? É difícil, a concorrência dos políticos é desleal.
ÉPOCA – O vice-presidente Michel Temer é um sujeito fácil de imitar? Você já pensa nisso?
Gustavo Mendes – Eu teria que criar alguma coisa engraçada para ele. Temer parece um vampiro, é um dementador do Harry Potter, uma coisa meio medonha, uma cara que mete medo. Ele parece o Conde Drácula, é difícil transformá-lo numa figura amigável. Estou querendo sair dessas imitações de político para evitar problema. Antes, na ditadura, o problema vinha do departamento de censura. Hoje, vem dos internautas.
ÉPOCA – Com os ânimos arrefecendo, pensa em ressuscitar a personagem Dilma?
Gustavo Mendes – Tenho saudade de interpretá-la. Após essa votação de quarta-feira, creio que o ambiente estará mais tranquilo para quem faz humor. E, uma vez afastada, Dilma vai poder comentar sobre tudo. No dia 2 de junho termino as gravações de meu novo programa e posso tirar a barba. Aí voltarei a fazer a Dilma nas redes sociais.
ÉPOCA – Já teve algum problema mais grave por causa da militância xiita?
Gustavo Mendes – Uma vez alguém gritou num espetáculo “fora Dilma” ou “não vai ter golpe.” Parei a apresentação e falei sério: “Você está ligado que sou um ator?” Como já disse, minha Dilma é apolítica. Acho que o que gerou isso tudo é que as pessoas queriam saber quem era a Dilma, o que ela gostaria de dizer e não podia por questão de decoro. Se ela falasse o que pensa, nós nos sentiríamos menos traídos. Está tudo muito sem graça. Parece que quem está escrevendo roteiro dessa novela política do Brasil é o (Geraldo) Alckmin, a narrativa é muito chuchu.
ÉPOCA – Você tem alguma simpatia partidária?
Gustavo Mendes – Gosto de política, mas nenhum partido me representa. Estou um pouco desiludido. Antigamente, pela sigla a gente entendia qual era a proposta do partido. Hoje se misturou muito e ninguém entende mais nada. É partido cristão que se esquece do mandamento “não roubarás”, partido comunista com pastor no meio... Estou esperando por uma próxima geração. Política devia ser ensinada na escola