Síndrome está ligada a repetição de comportamento em diferentes dispositivos
O uso excessivo em tecnologia tornou-se desenfreado nos últimos tempos, graças à evolução explosiva de dispositivos tecnológicos e à facilidade de uso associada a ele. Segundo um relatório produzido pelo We Are Social e Hootsuite de janeiro de 2021, somos cerca de 4,66 bilhões de usuários na internet. Se no planeta existe, segundo estimativas de julho de 2020, uma população global de 7,8 bilhões de pessoas, então mais da metade do mundo está ligado na rede.
A pandemia e o seu necessário isolamento social potencializaram um dos problemas mais comuns da modernidade: a dependência tecnológica. Confinados entre quatro paredes, muitos enxergaram a internet como um meio de se distrair da realidade conturbada e a única alternativa para se comunicar, além de potencializar mudanças de hábitos que tornaram a tecnologia cada vez mais preponderante na vida das pessoas. O online é agora fundamental em processos de trabalho, de aprendizagem e até de entretenimento.
Pesquisa realizada pelo Laboratório Delete-Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, da Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ), evidencia essa dependência. Realizado no período de 1º de novembro de 2020 a 1º de janeiro de 2021, o estudo mostra que 62,5% das pessoas usaram tecnologias por mais de três horas todos os dias, e 49,1% por mais de quatro horas, durante o período de isolamento social imposto pela pandemia da covid-19.
O psiquiatra e mestre em Saúde Comunitária, Mateus Freire, explica que a dependência tecnológica é um conjunto de comportamentos e sintomas ligados à repetição de um determinado comportamento em diferentes dispositivos, que vão desde telefones inteligentes até redes sociais, computadores pessoais e plataformas de jogos. “Em relação ao uso de tecnologias, a literatura científica ainda é nascente e há controvérsia se de fato alguns comportamentos se enquadram como uma síndrome de dependência. Há evidências, no entanto, que usos excessivos de determinadas tecnologias, mesmo não se enquadrando como síndrome de dependência, se associam com prejuízos acadêmicos e no aprendizado, maior risco de transtornos mentais como depressão e ansiedade, irritação visual e alterações do sono, dentre outros problemas médicos”, ressalta o especialista.
Estudos mais recentes não diferenciam de forma clara que aspecto das novas tecnologias está de fato implicado nos comportamentos problemáticos da população. Mateus Freire fala que é preciso balancear perda e ganhos com o uso da tecnologia. “Não é todo e qualquer uso de tecnologia que apresenta o potencial de se converter em uma dependência ou adição. Isso é um fato importante, pois no mundo contemporâneo a tecnologia é inevitável, e os ganhos proporcionados pelos avanços tecnológicos ainda superam os riscos potenciais”, conta o psiquiatra.
Para saber se há de fato uma dependência ou transtorno associado ao uso de tecnologias, é necessário avaliar caso a caso. Além de sintomas já comumente associados aos quadros de adição, como a compulsividade, a perda de outros interesses e síndrome de abstinência, são avaliados também possíveis prejuízos nos relacionamentos interpessoais, no trabalho, nos estudos, nas finanças e na saúde física e mental. “Por se tratar de um assunto ainda em discussão no meio científico, a recomendação é que essa avaliação seja feita por profissionais capacitados e que de preferência trabalhem especificamente com adições e compulsões”, destaca Mateus.
O tratamento para a dependência tecnológica precisa abranger todas as dimensões do indivíduo, incluindo seu bem-estar físico, psíquico e o meio em que vive. “É um tratamento que precisa ser individualizado, uma vez que não existem recomendações que funcionem para toda e qualquer pessoa que esteja lidando com um problema parecido. Em relação ao uso de tecnologias, um passo importante, e que pode servir para qualquer indivíduo que esteja ou não em um ‘relacionamento abusivo’ com seu dispositivo eletrônico, é refletir sobre o espaço ocupado em nossa rotina por nossos compromissos virtuais, e o quão benéfica, de fato, esta interconectividade está sendo para nossas vidas”, finaliza o psiquiatra Mateus Freire.